segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sítio do Picapau Amarelo - trilha da primeira versão

Aproveitando que dia o último feriado foi o dia das crianças, e pela lembrança do Tio Barnabé que me foi trazida agora há pouco por um amigo, abri uma exceção para escrever não só sobre uma música ou artista, mas sobre uma trilha sonora completa: a da primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, de 1977.

Eu era bem pequeno, chegado para morar a pouco na Paraíba. Minha mãe tinha conseguido financiar uma casa pelo estado: nossa primeira casa após retornar do Rio! Uma casa que já não era tão nova, mas era boa; apenas ela em um terreno de uns 30 metros de frente por 30 de fundos, lotada de bananeiras, coqueiros, goiabeira, abacateiro e muito espaço para brincar. E logo depois chegou a nossa TV Colorado RQ, 24 polegadas, a válvula (!), imagem em preto e branco. Então, tudo tinha muito a ver com aquele programa que estava começando. Eu nem sabia quem era Monteiro Lobato. E foi então que começamos a mergulhar no mundo mágico do sítio, e apenas depois de alguns anos fui ter idéia de porque aquelas músicas ficaram na minha memória, impregnadas como pedras preciosas em uma caverna. Eram letras, arranjos e interpretações dos melhores artistas possíveis para aquela época, muitos já considerados "subversivos" pelos milicos. Alguns até desconhecidos do grande público, e esquecidos mais ainda depois, mas todos ótimos em todos os sentidos.

Outro viés mais interessante de algumas das músicas, e que eu só viria perceber na adolescência, me politizando, é o das mensagens contra a opressão e a ditadura, colocada nas letras. Quando comecei a perceber isso, fiquei estupefato. Comecei a perceber como a censura dos generais era estúpida e burra. Qualquer letra daquelas se fosse num disco de Caetano, de Chico, de Gil ou de Raul tinha enorme chance de ser proibida. Mas como era uma trilha infantil, estava lá, disponível, para nosso deleite e, mesmo que se inconsciente, ter aquelas frases repetidas. Talvez também deliberadamente, as letras que contém essas partes estão da metade pro final do disco,o que siginificana, no tempo do vinil, ficar do lado B, isto é, mais "escondido" ainda.

Na música "arraial dos tucanos", um jovem Geraldo Azevedo incluiu os versos:
"Arraial dos tucanos/ Vai Ter tua paz/ Paz/ Aparente e pálida/ Paz aparentemente paz".

 Em "Emília", Sérgio Ricardo incluiu:
"Pobre de mim/ Emília me traga uma notíca boa/ Pirlimpimpim, se não chover é vento ou é garoa"... e finaliza com: "É ser que nem é Emília/ Fonte, chama, sopro, ventania/ Por mais que o sol se esconda e/ Cruzes se cravem no raiar do dia".

Finalizando, em "Tio Barnabé", o trio Marlui Miranda, Jards Macalé e Xico Chaves mandou:"Bate com o pé na pedra/ Bate na pedra preta/ Quem bate com pé firme e forte/ Não tem medo de careta".



E fora essa questão, vale a pena demais ouvir tudo. Eu tenho o disco baixado na internet. Alguma alma caridosa fez o imenso favor de transformar um vinil em mp3 e por na rede (dá pra ouvir os estalos da agulha de cristal nos arranhões do plástico). O arranjo de piano no final do "Tema de Dona Benta", por exemplo, faz com que essa música mágica termine como se nos convidasse a uma viagem por mundos distantes.